domingo, 24 de junho de 2007

Agora Luanda

Se fosse uma ave, Luanda seria uma imensa arara, bêbada de abismo e de azul. Se fosse uma catástrofe, seria um terramoto: energia insubmissa, estremecendo, em uníssono, as profundas fundações do mundo. Se fosse uma mulher, seria uma meretriz mulata, de coxas exuberantes, peito farto, já um pouco cansada, dançando nua em pleno carnaval. Se fosse uma doença, um aneurisma.

Hoje, misturam-se pelas ruas de Luanda o umbundo oblongo dos ovimbundos. O lingala (língua que nasceu para ser cantada) e o francês arranhado dos regrês. O português afinado dos burgueses. O surdo português dos portugueses. O raro quimbundo das derradeiras bessanganas. A isso junte-se, com os novos tempos, uma pitada do mandarim elíptico dos chineses, um cheiro a especiarias do árabe solar dos libaneses: e ainda alguns vocábulos em hebreu ressuscitado, (...), colhidos sem pressa nas manhãs de domingo, em alguns dos mais sofisticados bares da Ilha. Mais o inglês, em tons sortidos, de ingleses, americanos e sul-africanos. O português feliz dos brasileiros. O espanhol encantado de um outro cubano que ficou para trás. E toda esta gente movendo-se pelos passeios, acotovelando-se nas esquinas, numa espécie de jogo universal da cabra-cega. Moços líricos. Moças tísicas. Empresas de esperança privada.

José Eduardo Agualusa no livro Agora Luanda com fotografias de Inês Gonçalves e Kiluanje Liberdade.

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