domingo, 17 de junho de 2007

Puto Klinnsmann

No meio da rua empoeirada um puto chutava uma bola, pequena. Curiosamente, o esférico apresentava-se com a palavra “Portugal” inscrita em tons dourados num fundo bordeaux, quase tinto-alentejano.

Um puto de 3, não, talvez 4 anos, chutava-a contra a parede e deixava-a rebolar, ora para os meus pés, ora para aquelas águas paradas, verdes e mal-lavadas. E repetia o gesto, sempre.

“Como te chamas?”, perguntei a determinada altura.

“Klinnsmann”, respondeu. As sílabas conseguiram esvoaçar um espaço curto - o espaço deixado pela falta de dois dentes -, de certa forma envergonhadas por um nome de proveniência insegura.

Klinnsmann – avançado alto, rápido, espadaúdo. Foi artilheiro, durante anos-a-fio, de uma águia real alemã, vencedora e quase inesquecível pela vontade e pela organização. Nunca pela sua beleza - mas, digamos assim, o futebol não é como as mulheres. Para ser bom não precisa ser bonito. Não, não precisa.

“Klinnsmann?!, e sabes quem era esse senhor?”, perguntei, espantado, usando apenas a retórica ganha no sofá, enquanto assistia a futebóis de terceiro nível, de terceira qualidade e de interesse quase nulo.

“Hum hum", abana a cabeça, satisfeito por saber a resposta para tão difícil pergunta. "Era um alemão, jogador de futebol”, remata, de forma escondida mas assertiva, sem renegar um certo bocejo, do género larga-me-da-mão-porque-já me-perguntaram-isso-vezes-a-mais.

O cenário, claro, é africano, puro e duro. Podia ser Luanda, sim, podia mesmo. Sensorialmente forte e capaz de desregular o melhor dos relógios suíços, pela sua intensidade mística mas, sobretudo, pela força cultural de um continente velho. Literalmente velho.

O puto despede-se com um acenar, levantando os dedos e abanando-os na direcção desejada.

Quase a lembrar o Klinnsmann mais-velho ainda no relvado verde quase branco, após destroçar um Benfica de trazer-por-casa, numa noite fria, seca e impessoal, típica de uma Munique que puto Klinnsmann desconhece, longínqua e inimaginável.

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